sexta-feira, 4 de julho de 2014

Cuide Bem dos Animais (conto)

(Baseado numa história real)



Chácara São José, interior de São Paulo. É hora do almoço. Algumas pessoas se reúnem em volta da mesa comendo e mantendo uma conversa alegre e amistosa. Alguns sorriem mais alto, outros falam sem parar, uma típica reunião de família.
De repente Antônio, o dono da casa, leva as mãos a cabeça e começa a gritar a altos brados:
 —  Minha Nossa Senhora! Minha Nossa Senhora!
 Levanta-se da mesa e sai aos gritos para o quintal. Um dos familiares vai atrás dele enquanto a visita permanece assustada com a cena que se desenrola.
Dona Sara, esposa de Antônio levanta-se afim de acalmar as visitas. A voz, cansada pelos anos de trabalho, soa com clareza e inquietação.
— Não se preocupem- diz ela- As vezes isso acontece. É um castigo, tudo por causa do boi.
As visitas trocam olhares curiosos.
Boi? Mas de que boi a velha senhora falava?
Dona Sara, compreendendo os olhares confusos resolve explicar o porque de um homem tão lúcido como seu Antônio, enlouquecer de um momento para outro.
Voltemos no tempo.
Quarenta e cinco anos antes. Fazenda Santa Inês.
O ranger do velho carro de boi enchia os ouvidos de Antônio. O sol quente do meio dia  lhe escaldava a pele, o suor lhe banhava o rosto e a junta de bois empacava a todo momento sob o peso extremo que puxava.
Sem paciência, Antônio pegava o aguilhão e fincava no couro já todo ferido dos bois, forçando-os a continuar a andar. Mais a frente, exaustos, os bois paravam e Antônio novamente perfurava-lhes o corpo. As cangas, tão apertadas as cabeças dos bois, também os castigavam mas o carreiro não se incomodava.
Bois eram bichos ignorantes e burros, que só serviam para o trabalho pesado, arando ou puxando carroças, era assim que Antônio os tratava, como criaturas que mereciam o chicote e o arreio.
Durante anos foi assim. Durante anos ele forçava os bois a carregarem um peso muito além do que conseguiam. Maltratava-os até a exaustão, foi numa dessas vezes que Antônio nunca mais voltaria a ser o mesmo homem.
O sol abrasava a terra. O carro de boi quase se vergava sob o peso das toras de madeira. Os bois, já envelhecidos pelos anos, não suportavam mais o trabalho e pararam sem forças para prosseguirem.
Antônio armou-se do ferro pontiagudo e cravou-o no couro de um dos bois porém, ao invés de continuar a andar como sempre o faziam, o boi, sob o peso da canga, virou a cara na direção de Antônio e fitou-o dentro dos olhos.
— Pare de judiar de mim- falou o animal - Você nos maltrata demais...nós carregamos todo o peso do carro, não reclamamos, fazemos isso por amor a você e mesmo assim, você não respeita nosso cansaço.
Antônio soltou o aguilhão de ferro e afastou-se do carro de boi, depois correu em direção a sua casa contando, em pranto convulso, o que havia lhe acontecido.
A mulher achava que ele enlouquecera. Como poderia um boi falar com uma pessoa? Na certa o sol o deixara assim. Mas o olhos e as palavras eram tão intensas e verdadeiras que ela não conseguia deixar de acreditar.
Passaram-se alguns dias e Antônio, ainda que receoso, voltou ao trabalho. Agora era outro homem. Colocava pouco peso na carroça e não levava mais o aguilhão de ferro consigo. Os bois não era mais maltratados e o serviço rendia mais. No entanto, a culpa que carregara durante tantos anos não lhe saía da cabeça e vez ou outra, após a morte do velho boi que falara com ele, Antônio o via e desesperava-se ao lembrar do que havia lhe ocorrido.
Dona Sara calou-se contemplando o rosto das visitas. Alguns pareciam compreender, outros continuavam achando que Antônio era louco.
Mas apenas a criança que ali estava viu o enorme boi parado junto a porta. Ele balançou a cabeça e saiu, o couro estava intacto, livre de ferimentos e picadas. A imagem foi sumindo até desaparecer completamente da visão da pequenina.
O castigo não provinha do boi, mas da alma rude e acostumada as torturas de Antônio que  ao invés de ver o animal são, ainda o via com o  couro ferido pelo ferro pontiagudo, tudo porque ainda não conseguira se perdoar.
Mas o animal, esse sim já o havia perdoado, coisa que Antônio só conseguiria quando perdoasse a si mesmo.



Simone Nardi






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2 comentários:

  1. Que conto mais lindo! Pena que as pessoas são como Antônio e não como o boi. Lamentavelmente, o mundo ainda sofrerá em demasia até o ser dito humano aprender a respeitar seus irmãos. E o tempo para o aprendizado está se esgotando.

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  2. Esse conto, é um caso real, um tio do meu pai. Ele judiou a vida inteiro dos animais e no fim via cada um deles, e foi, bem dizer, enlouquecendo aos poucos. Sei de um caso, de uma colega minha, o pai dela afogou dez filhotes de cães, depois, sem explicação, as duas mãos deles ficaram deformadas...quem sabe aos poucos esse não seja o real castigo de nossa imensa desumanidade

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