terça-feira, 12 de maio de 2009

"Orai e Vigiai"

 


Uma crônica de desobsessão

Deves agir conforme falas, do contrário tuas palavras serão mortas.


Silvana bufou. O trânsito de sexta à tarde a irritava.

Aliás, tudo a irritava. O calor, a chuva. O frio, a garoa. Como sempre, chegou em casa apressada. Thor, o cão labrador da família correu agradar sua dona, o rabo abanava de um lado a outro, ele estava feliz por revê-la.

Silvana o ignorou, tinha pressa, vida de médium era assim. Perseverante e pontual.
Disciplinada e dedicada. Não poderia atrasar-se. Entrou em casa ainda reclamando do trânsito. Banho, jantar leve, rua de novo. Era dia de reunião de desobsessão. Na rua da Casa Espírita, outra irritação. Não havia sequer uma vaga para que Silvana estacionasse o carro, teve que rodar dois quarteirões e voltar a pé. Parecia que tudo tentava impedi-la de chegar ao Centro.

Passo apertado. Rosto franzido. Silvana algo mais irritada, cruza os umbrais da porta principal.

Antônio, o velho presidente do Centro a olha com doçura. Sabe que algo vai mal. A médium segue para a câmara de passe. Fechada. Tem gente lá dentro. Demora.

A hora passa. Mais uma irritação, ela quer trabalhar, quer ajudar, sabe que precisam dela ali, há anos trabalha nesse e noutros centros, “há anos”, pensa entrando na câmara. Um rápido autopasse, Ela também faz isso há anos, ele já sai automático. Encaminha-se apressada para a sala onde alguns trabalhadores já se encontram.

Cumprimenta-os rapidamente. Lázaro, o doutrinador, Célia e Carla, médiuns de sustentação, Ana e Paula, passistas, César, “o metido”, e Onofre ,médiuns de desobsessão. Silvana senta-se, um Pai Nosso desliza por sua mente.

“Será que fechou o gás?... Santificado seja..... Apagou as luzes ?..... O vosso nome ......O carro na rua, perigo... “

Lázaro , o doutrinador apaga as luzes, desliza os olhos pela inquieta Silvana e lhe toca o ombro.

- Célio, Onofre, hoje apenas vocês dois, há pouca gente. Silvana, Célia, Carla, vibrações.

O rosto de Silvana arde. A irritação chega ao auge, ela quase não se controla se cala a custo.

Prece inicial, início das tarefas. O primeiro irmãozinho.

- Bem-vindo, meu irmão - fala a voz serena de Lázaro.

Sinta-se a vontade entre nós, fala ele com carinho. O espírito, algo irônico, começa a sorrir.

- Adoro eles. Os que se acham intocáveis, infalíveis. Esses são os mais divertidos.

- Mas o irmãozinho sabe que está no caminho errado.....

- Eu não. Eu fui chamado.A arrogância e o orgulho deles me atrai. Essa soberbia de achar-se intocável, e não ser. Não admitir. Não pensar. Eu faço apenas o que eles me permitem, nada mais. Erra mais aquele que tem o conhecimento.

- Mas você também possui o conhecimento.

- Eu fui chamado, apenas isso. Posso deixá-los hoje, mas eles me chamarão amanhã. São pessoas de palavras e não pessoas de ação.

Houve silêncio. Silvana sentiu o corpo se arrepiar. O coração parecia afogar-se em dor.
A mente se esvaneceu e quando ela deu por si, a reunião havia terminado.

No silêncio da sala, apenas a respiração de Silvana era percebida. Duas lágrimas rolaram pela face , agora, entristecida.

- Orai e vigiai - falou Lázaro com a voz carinhosa de sempre. Nós médiuns, podemos ser alvo de muitos ataques se não mantivermos o equilíbrio, a fé e a vibração de amor. Não devemos nos orgulhar de nossa mediunidade e sim vigiar-nos sempre, para que ela não nos leve à quedas. Assim como o doente, os médiuns obsediados necessitam do antídoto para a dor. O amor. Quando o médium se desvia de seu verdadeiro caminho, mesmo não querendo, deixa uma porta aberta aos obsessores.

- Orai e vigiai - repetiu Silvana lembrando-se que ela mesma se distanciara de seu principal objetivo quando passara a ver com orgulho e inveja, sua mediunidade.
Sim, pensava ela no silêncio de suas lágrimas, aquele irmãozinho que viera obsediava apenas os médiuns, poderia até mesmo tê-la obsediado, se é que já não o estava fazendo.
Silvana lembrou-se das discussões com os companheiros de seara, das irritações, da falta de controle, todos os sinais de uma perturbação para a qual ela insistia em fechar os olhos.

- Eleve a vibração, ame e, sobretudo, vigie, para que nada de mal lhe aconteça - terminou Lázaro abraçando cada um de seus companheiros.

Silvana deixou a Casa Espírita mais calma naquela noite. Agora ela compreendia o que era deixar-se dominar pelo orgulho tolo da mediunidade, pela vaidade tola do trabalho.
Mediunidade era amor, não medalhas para que colocasse no peito e bradasse aos povos. Era silêncio e resignação. O amor não era aquilo que ela vinha fazendo , era muito mais e somente agora ela compreendia que o antídoto para esse mal era o amor. 

Simone De Nardi




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